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quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Velório de Tio Raminho (by myself)



Tio Raminho era um marinheiro duro, desses difíceis de pendurar as chuteiras, era brasileiro, não desistia nunca, mas o tumor maligno da cabeça do pâncreas é realmente merecedor desta classificação, derrubou meu velho e precioso tio em pouco mais de um mês após ser descoberto.
Conheci Tio Raminho não ao nascer, como conhecemos normalmente os membros da família, mas quando eu já tinha uns doze anos de idade. Até então agente só ouvia falar nesse tio herói que nós tínhamos. Herói porque foi um dos primeiros brasileiros a andar no continente gelado da Antártica, desembarcando do famoso e pioneiro Navio Barão de Tefé. Agente ficava impressionado com as histórias que mamãe contava. Desde a volta ao mundo embarcado, ocasião em que almejou leva-la (antes de ela casar-se com nosso pai) para conhecer a França, às histórias engraçadas da Antártica.
Pois bem, era uma noite como todas as outras, sem novidade alguma, a não ser pelos exercícios da escola que preferia executá-los após o jantar, quando parou em nossa porta um Chevete de cor branca em passagem por Aracaju. No carro estavam Tio Raminho, sua esposa, os três filhos e mais um amigo. Finalmente estávamos conhecendo aquele homem que certamente teria muitas histórias para nos contar. Imaginem o tamanho de nossa alegria. Passamos a noite ouvindo aventuras. Pareciam as histórias do marujo Simbad, do Robson Crusoé, das 60 Mil Léguas Submarinas, mas eram todas verídicas. Ficamos deslumbrados com as fotos que ele nos mostrou. Não só mostrou como deixou que escolhêssemos algumas. Elas foram o maior sucesso na escola, nossos colegas ficaram maravilhados.
A permanência deles em nossa casa foi curta, eles estavam indo a Maceió, terra onde passaria a residir após sua aposentadoria. Isso não foi ruim, porque a capital do estado de Alagoas ficava a menos de 300 km de distância de nossa casa, poderíamos visita-lo algumas vezes.
E foi isso que aconteceu. Não poderia haver uma viagem praquelas bandas sem que não houvesse aquela visitinha ao Tio Raminho. E isso era muito legal, nossos primos sempre foram alto astral, agente se dava muito bem. Certa vez fomos até Natal, mas voltamos e entramos em Maceió só pra visitar o tio Raminho. Ele sempre tinha algo interessante pra contar.
Certa vez, pensei em transferir o curso de medicina da UFS para a UFAL, precisava fazer novo vestibular, iria morar na casa de Tio Raminho. Passei por lá algumas semanas, mas não consegui a transferência, mesmo assim foi divertido. Já fazia até planos de como iríamos organizar nossos dias de lazer com meus primos.
O tempo passa rápido demais pra gente poder aproveitar tudo o quanto poderíamos se não fôssemos tão hipócritas no nosso pensamento. Havia dois anos que não visitava o Tio Raminho. No último final de semana fui surpreendido com a notícia de que ele estava doente, rapidamente reorganizamos nossa agenda e programamos passar os dias 11 e 12 de julho com ele. Infelizmente não deu tempo. Na madrugada do dia 6 de julho nosso Tio pendurou as chuteiras e partiu.
Acordei cedo com a notícia do seu falecimento, cancelei o consultório e as cirurgias e me dirigi a Aracaju onde encontraria meu irmão, minha cunhada e nossa Vovó. Mamãe está em Goiânia, não conseguiu voo até Maceió, esse era o segundo Tio que ela mais amava, porque o primeiro também já havia partido.
A viagem foi bem interessante até Maceió, passamos uma hora presos num engarrafamento na saída de Aracaju por causa de uma obra na BR 101, paramos para almoçar em Propriá, mais uma hora de atraso. Enfim chegamos a Maceió por volta das 16 horas. O sepultamento estava programado para as 16 horas e nem eu, nem meu irmão, tão pouco nossa vó, sabíamos ao certo como chegar rapidamente à casa de Tio Raminho. Quem nos ajudou foi o GPS. Finalmente havia achado utilidade para aquilo.
Quando chegamos na Avenida Governador Lamenha Filho, 2551, uma surpresa: A casa estava vazia. O vizinho informou que o cortejo havia saído há 40 minutos em direção à cidade de São Miguel dos Milagres, local onde ele escolhera ser sepultado. Partimos imediatamente para lá, mais uma vez o GPS deu uma “mãozinha” amiga e chegamos àquela cidade em que Tio Raminho adorava passar os finais de semana na praia com a família. São Miguel dos Milagres é um lugar tranquilo, bucólico, na beira da praia. Tio Raminho dizia que queria ser enterrado lá porque o cemitério é à beira mar e ele poderia andar nu à noite às margens do oceano (coisa que ele adorava, era marinheiro). Imaginem como era esse meu velho Tio.
Quando chegamos a São Miguel dos Milagres haviam acabado de fechar o jazigo, mas houve tempo de entregar a coroa de flores que vovô havia levado. Houve tempo para abraçar a família. Lá estavam outros primos, filhos de Tio Tonho que já havia nos deixado a alguns anos.
Apesar de ser um momento de profunda tristeza, não podemos esconder a satisfação de reencontrar a família. Já havia algum tempo que não revia alguns familiares de Recife. Batemos um bom papo, abraçamo-nos, trocamos e-mail, Orkut e combinamos um reencontro sem motivo fúnebre. Após outros abraços e beijos seguimos de volta a Maceió e posteriormente a Aracaju.
No caminho, um silêncio era nosso acompanhante. Um filme estava passando em nossas memórias. Demos algumas risadas frias e seguimos nossa viagem ansiosos pelo retorno a nossa casa.
Eu aprendi várias coisas com Tio Raminho, mas a mais importante foi a simplicidade em olhar tudo à sua volta e viver uma vida plenamente descomplicada. Valeu, Tio. Descanse em paz.

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