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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Aconteceu há 10 anos



No ano de 2000, fui convidado a trabalhar num ambulatório público de pediatria, numa certa cidade no interior de Sergipe, a 40 km da Capital. Lugar acolhedor de povo tranquilo, simpático, amável.
Eu nem saberia que lá iria viver uma das maiores alegrias e frustrações de minha vida como médico pediatra.
Lucas era um garoto de 8 anos de idade vitimado pela esquistossomose. Apresentava uma lesão na medula reversível. Mas a chance de ter acesso a um serviço diferenciado tornou sua doença ainda mais grave quando perdeu os movimentos das 2 pernas.
Conheci Lucas, nos braços da sua mãe, uma senhora franzina, de olhar meigo e reservado. Após examiná-lo percebi que precisava da ajuda de um colega neurologista pra orientar o tratamento adequado para o Lucas, já que o mesmo se encontrava com paresia dos membros inferiores.
Neste momento agente abusa dos amigos, Lucas foi atendido por uma competente colega Neurologista em Aracaju que confirmou o diagnóstico de esquistossomose medular, dando dicas quanto ao acompanhamento e tratamento.
Assim fizemos. Após ler o relatório da Dra. Débora, percebi que não tínhamos todos os recursos para o sucesso no tratamento do Lucas, então convoquei a equipe de trabalho do posto de saúde e partimos para a ação. Fizemos uma campanha entre todos pra arrecadar fundos para a compra dos medicamentos, improvisamos, com a ajuda do pai de Lucas, uma bicicleta ergométrica em sua casa, ensinamos à família como fazer os exercícios de fisioterapia (tratamento inexistente no município) e entregamos os medicamentos necessários, sempre agendando o retorno.
Volto a ressaltar que a lesão de Lucas era reversível, ou seja, tinha cura.
Passados 2 meses de muita luta, perdi o contato com o Lucas acho que por mais 2 meses. Certo dia, ao entrar no posto de saúde e dirigir-me até minha sala deparei-me com um garoto forte, bonito, que me lembrava e muito o Lucas, ele estava de pé e andando pelo corredor do ambulatório. Confesso que na ansiedade de chegar e começar a atender minhas crianças, não prestei muita atenção ao garoto.
De repente entra na minha sala, uma das funcionárias da recepção, esbaforida, dizendo:
- Doutor, doutor, o senhor já viu quem está no posto, caminhando? O Lucas Doutor, o Lucas.
De repente percebi que lágrimas caíram de seus olhos...
Fiquei exultante, pedi logo para que ele entrasse. Lucas estava curado, andando, feliz, mais forte. O sorriso de seus pais nem cabia em suas faces. Recebi muitos abraços de todos. Aquele foi um grande dia, sem dúvida.
Mas, como disse um poeta certa vez, “a verdadeira felicidade é algo muito próximo da tristeza”. Na semana seguinte, ao chegar no ambulatório, fui abordado por algumas mães que me puxavam e me pediam com lágrimas:
- Doutor, esse é meu filho aleijado, ponha-o para caminhar, ponha sua mão nele...
Outras diziam:
- Doutor, faça meu filho enxergar.
- Doutor, meu filho é mudo, faça-o falar...
(escrevo isso com lágrimas nos olhos)
Eu não sou Deus, não fiz milagres, não faço. Apenas me esforcei pra que Lucas tivesse sua lesão REVERSÍVEL curada. Como fazer aquelas pessoas humildes entenderem isso?
Um sentimento de frustração me tomou completamente.
Não pude retribuir a fé daquelas mães em mim.
Infelizmente, a exaltação de meu nome na cidade não foi bem aceita pelos políticos parasitas do município e não pude renovar o contrato. Naquela época não havia nenhuma esperança de concurso. De qualquer forma fiz grandes amigos por lá e deixei meu nome no coração de alguns.
O importante é que Lucas voltou a andar e quem sabe até a correr...

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